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proteção de dados no brasil

A proteção de dados no Brasil é a garantia de entretenimento nessa quarentena.

proteção de dados no brasil

No melhor estilo da série americana House of cards, o assunto tem criados inúmeros atritos nos poderes da União, que, a cada novo capítulo a harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário se tornam uma missão impossível.

Trocadilhos à parte, a seguir sustento minha afirmação com os últimos episódios dessa série. Atenção: contém spoiler.

Preliminarmente, é importante destacar que a série brasileira de Proteção de Dados é um spin-off (subproduto) da série europeia mais famosa a GDPR (General Data Protection Regulation).

No Brasil o primeiro episódio da série se dá no Parlamento Brasileiro, com a história do Projeto de Lei n.º 4.060, de 2012, apresentado em 13.06.2012 pelo deputado Milton Monti (PR-SP).

Algum tempo depois, a série retorna em 25 de maio de 2018, na União Europeia noticiando que a GDPR (General Data Protection Regulation), a série original já estava em vigor por lá.

Na outra cena, já em 29 de maio de 2018, o Plenário da Câmara dos Deputados, 2.176 dias (05 anos e 350 dias) depois da apresentação do Projeto de Lei, após diversas atividades legislativas, projetos apensados, emendas e substitutivos, a Redação Final assinada pelo Relator, Deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) foi aprovado.

O Projeto foi remetido ao Senado Federal para aprovação, após ser recepcionado em 30 de maio de 2018 e passou-se a chamar PLC n.º 53/2018, em sua nova casa.

No dia 10.07.2018, o Plenário do Senado Federal aprova a redação final do Projeto de Lei. O final do primeiro capítulo passa em 14 de agosto de 2018, data que o então Presidente da República promulgou a Lei n.º 13.709, que, à época, dispunha sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet). Em seu último artigo a Lei recém promulgada no Diário Oficial da União – DOU, previa 18 meses de vacatio legis (vacância da Lei), entrando em vigência em fevereiro de 2020.

Já no segundo episódio, há destaque para os vetos jurídicos efetuados por meio da autoridade máxima do Poder Executivo quando da sua promulgação. E é nesse assunto que se desenvolve o segundo episódio com a rejeição dos vetos e com as alterações trazidas pela Medida Provisória n.º 869, de 2018, que foi transformada na Lei n.º 13.853, de 2019. A Lei alterou o último artigo da Lei Geral de Proteção de Dados, alterando o prazo de vacatio legis (vacância da Lei) para 24 meses, com isso, a Lei teria eficácia plena a partir de agosto de 2020.

O imbróglio começa no terceiro episódio, em um ritmo muito acelerado o foco está nos diversos Projetos de Lei apresentados, que possuem inúmeros objetivos, como, por exemplo, o pleito de mais prorrogação da data de entrada de vigor da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD; para obrigar a identificação biométrica de usuários de aplicativos de transporte de passageiros (a mesma identificação biométrica que utiliza-se para a votação); para estabelecer progressividade temporal no valor das multas a serem aplicadas na LGPD; inclusão das entidades filantrópicas no rol de exceções à aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e estabelecer limite à aplicação de multa a essas entidades (o autor do projeto entende que eventual infração dessas instituições produziram efeitos menores que as outras?); e, por fim, mas não menos importante a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n.º 17, de 2019, que altera a Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais e para fixar a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais.

Nesse sentido, a PEC n.º 17, de 2019, desde 10 de dezembro de 2019 já consta publicado o parecer positivo da Comissão Especial na redação do Relator Deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), restando aguardar a análise e votação do plenário da Câmara dos Deputados, em dois turnos.

O quarto episódio se dá no âmbito jurídico, com destaque para as ações e investigações da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial (Espec) do MPDFT, que envidaram esforços contra grandes empresas atuantes no Brasil, como, por exemplo, Vivo, Facebook, Google, Rappi, Cadastro Positivo do birô de crédito e, principalmente, a decisão efetuada no bojo do processo n.º 1006616-14.2020.8.26.0053, em que o condenou o Metrô de São Paulo (COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO – METRÔ) a produzir provas acerca do banco de dados do sistema de monitoração eletrônica com reconhecimento facial, sendo que na decisão proferida em 12 de fevereiro de 2020.

Na decisão, a juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública, utilizou-se de atributos da LGPD para justificar, obrigando o metrô a produzir antecipadamente documentos que seriam necessários somente após a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados.

No REsp n.º 1.758.799 – MG, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no relatório da Excelsa Ministra Nancy Andrighi, entendeu que o compartilhamento de informações pessoais sem a ciência prévia é ato ilícito que gera dano moral in re ipsa (próprio da coisa); que pode ser traduzido que o ato ilícito presume dano moral sem a necessidade de prova do prejuízo individual.

Junto com o quinto episódio, chega o coronavírus no Brasil e a pandemia se instala, são necessários diversas ações, isolamento, quarentena, home-office, o Senado Federal é a primeira casa legislativa do mundo a realizar uma sessão de virtual de votação para evitar a aglomeração e atender a recomendação das entidades de saúde para permanecermos em casa. O Senador Antonio Anastasia (PSD-MG), Primeiro Vice-Presidente e, à época, presidente em exercício do Senado Federal em virtude do afastamento do Senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), apresentou no dia 30 de março de 2020, o Projeto de Lei – PL n.º 1.179, de 2020, que propõe, entre diversas medidas, a prorrogação da LGPD. A Relatora designada foi a Senadora Simone Tebet (MDB-MS) que, em prazo recorde, apresentou substitutivo no dia 03.04.2020, o qual foi aprovado por unanimidade pelo plenário virtual.

Na redação encaminhada para a Câmera dos Deputados, ficou consignado que a Lei Geral de Proteção de Dados entraria em vigor em 1º de janeiro de 2021, com exceção das penalidades previstas no arts. 52 ao 54, que entrariam em 1º de agosto de 2021. Ou seja, desde a sua vigência seria a terceira alteração na data de vigência. Houve pronunciamento da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e do Ministério Público Federal – MPF contrários ao adiamento da vigência da LGPD.

No episódio seguinte, ainda em meio à crise sanitária, são vivenciados os novos dilemas, por exemplo, os limites do processo de monitoramento digital do governo por meio de aplicativos e sinais telefônicos, de um lado o direito individual dos cidadãos à privacidade, de outro lado a necessidade do governo de estabelecer em tempo real suas políticas públicas de saúde para combate à pandemia.

Nessa esteira, há notícia de exames de celebridades vazados indevidamente, porém, o grande debate está no processo do jornal O Estado de São Paulo, número: 5004924-79.2020.4.03.6100, que corre na Justiça Federal da 3ª Região, que obriga a União Federal por meio da Advocacia Geral da União – AGU, apresentar todos laudos de exames aos quais foi submetido o Exmo. Sr. Presidente da República para a detecção da COVID-19. A discussão está entre o limite entre a privacidade e o interesse público, o eleito ao maior cargo do executivo perde suas prerrogativas individuais e que a Carta Magna dispõe que todo poder emana do povo, sendo assim, os mandantes do poder (o povo) têm o direito de serem informados quanto ao real estado de saúde do representante eleito.

O sexto episódio é de grande repercussão, provando, como afirma o brilhante Professor Dr. Felipe Palhares, “(…) de tédio efetivamente não se morre neste mundo de proteção de dados tropical”. O governo editou a Medida Provisória n.º 954, de 2020, que obrigava as empresas de telefonia a informar à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o nome, o endereço e o telefone de todos os seus clientes. Os dados seriam utilizados pelo IBGE para a realização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e seu compartilhamento valeria apenas enquanto durar a situação de emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus. Essa Medida Provisória que contém 05 artigos, no Parlamento teve 344 emendas legislativas em 03 dias úteis. Já no Supremo Tribunal Federal – STF, a Medida Provisória teve 05 Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIns. A Relatora, excelsa Ministra Rosa Weber, em sede de Medida Cautelar suspendeu os efeitos da Medida Provisória, sob a justificativa de prevenir danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel, determinando que o IBGE se abstenha de requerer a disponibilização dos dados e, se por acaso, já o tenha feito que cesse imediatamente a conduta. Ainda nesse episódio, descobrimos outros processos vinculados, como, por exemplo, o Mandado de Segurança individual impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP (MS 2.069.736-76.2020.8.26.0000); Uma ação popular contra o Estado de São Paulo pedindo a cessação do monitoramento com base em dados pessoais (AP 1019132-66.2020.8.26.0053); e, por fim, um Habeas Corpus pedindo a cessação do monitoramento com base em dados pessoais (HC 572996).

Sem deixar a poeira baixar, o sétimo episódio, o Governo Federal publicou por meio do Decreto 10.332, de 2020, a Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Na redação do dispositivo legal, a União, determina entre outras questões, que cada órgão e entidade deverá instituir um Comitê de Governança Digital, formado, inclusive, por um encarregado de proteção de dados pessoais ou Data Protection Officer – DPO. Para a implementação da Lei Geral de Dados, o Decreto direciona para duas ações, sendo: (i) Estabelecer, ainda em 2020, método de adequação e conformidade dos órgãos com os requisitos da LGPD; e, (ii) plataforma de gestão da privacidade e uso dos dados pessoais do cidadão.

No mesmo episódio é apresentado o Guia de Boas Práticas do Governo Digital, com orientações para órgãos e entidades da administração pública federal, autárquica e fundacional no tratamento de dados pessoais.

No último episódio da série, até aqui, o executivo editou a Medida Provisória n.º 959, de 2020, que ao mesmo tempo estabelece a operacionalização do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda e do benefício emergencial mensal de que trata a Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, e prorroga a vacatio legis da Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018, que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD.

No dispositivo legal mais recente, a data de vigência da LGPD passa a ser em 03 de maio de 2021. Nesse episódio os atores estão confusos com o atropelamento do executivo frente ao legislativo que já estava avaliando o Projeto de Lei n.º 1.179, de 2020, já aprovado no Senado Federal. A Medida Provisória tem duração de 120 dias para conversão em Lei, ou seja, ainda que o texto adie a vigência para maio de 2021, a Medida Provisória tem eficácia até o final de agosto de 2020, a depender do Parlamento para sua manutenção. O mesmo Parlamento que já estava discutindo Projeto de Lei n.º 1.179, de 2020. Também, estão em dúvida vez que se o Legislativo rejeitar ou caducar o governo somente poderá editar Medida Provisória sobre esse mesmo tema na próxima sessão legislativa, em 2021. As emendas serão aceitas até 04.05.2020 e o prazo para análise é 13 de junho de 2020.

Agora resta pegar a pipoca e acompanhar os próximos episódios, que para dar maior emoção aos acompanhantes, não tem hora, dia, tampouco, local para divulgação dos próximos capítulos. Será que até o final dessa temporada essa série trará algumas respostas como, a Proteção de dados será considerada direito fundamental na Constituição Federal? Será que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados será finalmente constituída? Haverá segurança jurídica na execução dos projetos de implementação e adequação à LGPD, com uma data fixa de início de vigência? Ou até respostas para perguntas que vêm transcendendo geração sem resposta, como, por exemplo, estamos sozinhos no universo; por que a gravidade existe; quais são os mistérios do fundo do mar, até então inacessível; por que o quadro negro é verde e o milho verde é amarelo?

Aguardem cenas dos próximos capítulos.

Por: Fred Isse – DPO e Especialista de Regulação em Saúde Suplementar na TopDown.


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